fevereiro 28, 2011

Cá entre nós.


"Onde tudo parece terminar, é onde tudo, na verdade, tende a dar continuidade."


Foi nesta conclusão que cheguei após ter me tornado vítima do preconceito. Sentir a maldade alheia raspar em minha pele é doloroso, e nada poder fazer para combater esse mal é pior ainda. Não é fácil; nem um pouco fácil, aliás! Ter meus direitos arrancados sem qualquer pudor por uma simples “anomalia” foi o ápice da minha transformação de humano para bicho que a sociedade me fez passar. E bicho, devo dizer, da pior espécie, para os olhos de muitos. Atos simples me foram proibidos ou terrivelmente postos em discussão. Abraçar, beijar, ter relação sexual, AMAR, tornou-se caso de polêmica. Meus desejos passaram a ser um risco para a sociedade, e mesmo com toda a informação escancarada, sou uma ameaça!


O fato é que há treze meses venho observando a sociedade humana, ou, como prefiro chamar, esta selva ingrata. Presenciei momentos nos quais pude perceber que as vítimas, em algum momento, também se tornam as agressoras. É um tipo de experimento para saber o prazer do fazer mal a alguém. Coisa que até então, eu nunca imaginei que seria possível. É um ciclo que nunca acaba e que me faz pensar que onde tudo parece terminar, é onde tudo, na verdade, tende a dar continuidade. Consegui notar que o senso comum fala mais alto que provas científicas, que estudos, que meios concretos.


Sou branco, tenho cabelos escuros, olhos castanhos, alta estatura, peso adequado, heterossexual, vinte e três anos. Meu nome era Renato Augusto, mas há treze meses se tornou “Soropositivo”. Prazer! Meu nome atual, como o antigo, só se torna conhecido quando necessário. Dizê-lo, no entanto, tem exigido muito mais coragem e autoconfiança. Sei que ao me apresentar, hoje, essa combinação de doze letras que formaram um nome, o qual meus pais não escolheram, tem muito mais significado. Tem sinônimos como “medo”, “doença”, “distância”, e, acredite quem quiser, “morte”. Antes de me aproximar, minha atitude inicial quase que obrigatória é passar informações sobre o vírus HIV e como pode ser transmitido, além de explicar que há como evitar tal acontecimento –a transmissão.


Sei que, sem querer, atualmente sou rotulado por ter em meu corpo um vírus que não pedi para que fizesse parte de mim. Acidentes acontecem e aprendi a estar disposto a superá-los, caso me ocorram. Continuo sendo o homem cuja carteira de identidade apresenta o nome Renato Augusto. E sei que tenho muito mais a agregar que somente um vírus.


Mas será que todos se lembrarão disso ao saberem da minha condição?


Com solidão,


Soropositivo.

fevereiro 26, 2011

Something has broken.


A cada amanhecer ouço um barulho,

Um som incômodo de vidros sendo triturados.

E o volume fica cada vez mais alto.


No espelho, vejo que o reflexo se faz presente em meus olhos,

Enxergo os hormônios explodirem,

O sangue correr.

Meus joelhos se batem, se esfolam.

Minha mente perturba, lembra e relembra os sonhos

De alguém que um dia foi criança;

Alguém que esconde essa criança.


Na rua, posso ver alegria, paixão, carícias intermináveis,

Na vida daqueles que me cercam,

E que não conheço, no entanto.


Observações e anotações não faltam,

Por baixo de toda essa pele que me cobre,

Há palavras.

Palavras estas que, quando juntas, descrevem cada dia

Cada ferida que esses vidros rompidos fizeram;

Palavras que não me permitem esquecer os sonhos que se perderam.


Sinto que falta gente, falta humano, falta ser.

fevereiro 13, 2011

Pare e pense.


Seria muito bom se todos os relacionamentos que temos fossem frutos de expectativas determinadas. Se, por exemplo, no primeiro encontro de um casal ambos fossem com uma enorme placa pendurada no pescoço onde dissesse a real intenção; "Quero carinho.", "Só conversar.", "Estou pronto(a) para casar.", ou até mesmo "Apenas sexo!". Assim ninguém criaria expectativa alguma, ninguém teria que inventar desculpas para pôr um fim e nenhum lado sairia entristecido pela incompatibilidade. É claro que para isso acontecer, seria necessário contar com a sinceridade do outrem. Dá para contar com essa habilidade, hoje em dia?

Por que há tanta expectativa em volta de uma vida, de uma novidade? Por que falta sinceridade em todos os lugares? Que medo é esse de falar a verdade? De onde surgiu? Quando surgiu?
Perguntas, apenas perguntas. Perguntas sem respostas fundamentadas.

O fato é que a sociedade vem ensinando, em uma ótima performance, a mascarar as ideias e os sentimentos. Tem trazido no dia-a-dia sensações de abandono interior e pouco caso para laços que poderiam ser criados. De um jeito escancarado, e algumas vezes sutil, tem feito dos seres humanos pequenos brinquedos que ela mesma trata de manipular. Acaba, por fim, tendo em mãos o controle da razão e da emoção, restando-nos atos amedrontados e duvidosos. Há aqueles que se adaptaram rapidamente e não se importam com a maneira como o mundo vem girando, no entanto, do outro lado existe ainda um grupo perdido tentando encontrar o caminho de volta. Este grupo, devo dizer, nada mais é senão daqueles que ainda sentem e que, por sentirem, estão sentindo seus poderes humanos serem arrancados sem qualquer permissão. É doloroso o processo, pois vem em cada ato de coragem de tomar uma atitude que a pouca esperança restante se quebra, é quando a tão faltosa sinceridade se questiona se deve mesmo existir. E neste exato momento é que alguns desistem de lutar. Não são fracos, não são covardes. Estão apenas cansados.

O modo como as pessoas vem agindo é absolutamente questionável, e cada dia que passa é mais visível como tantos já desistiram. Está se tornando a unica saída, e isso nos leva a cair em uma fase de adaptação a infelicidade nossa e de futuras gerações. Estamos sendo programados a não falar, não ouvir, não tocar e não sentir. Qual a razão? A realidade logo não existirá mais. Criar expectativas é um erro, porque a chance de se decepcionar é igual a de ser surpreendido positivamente, mas como não criá-las se apenas está sobrando a imaginação de felicidade?